O bullying na esfera de atuação do ortodontista

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O bullying na esfera de atuação do ortodontista

por Flávia Artese

Editora-Chefe do Dental Press Journal of Orthodontics

Apesar de a Ortodontia contemporânea ter ampliado as indicações para o tratamento ortodôntico em adultos, os adolescentes irão sempre constituir a maior parte de nossos pacientes. Afinal, sabe-se que o tratamento ortodôntico, por si só, apenas provê mudanças dentofaciais significativas durante o surto de crescimento puberal, as quais podem beneficiar nossos pacientes tanto em termos de função quanto de estética, além do aspecto psicossocial.

E foi exatamente a associação entre a necessidade de tratamento ortodôntico, a Qualidade de Vida Relacionada à Saúde Bucal (QVRSB) e o bullying que o artigo original de Gatto et al., publicado nesta edição da DPJO (Dental Press Journal of Orthodontics), avaliou em uma amostra de 815 adolescentes brasileiros.

Os autores observaram que existe uma associação entre a QVRSB e o bullying. Por exemplo, adolescentes sofrendo as consequências negativas oriundas de bullying foram três vezes mais propensos a ter QVRSB ruim. Uma correlação similar foi encontrada em crianças da Jordânia, em um estudo feito por Al-Omari et al., em 2014. Eles concluíram que uma relação significativa foi encontrada entre o bullying motivado por características dento-faciais e os efeitos negativos na QVRSB.

Na verdade, os dentes têm sido descritos como sendo o alvo mais frequente para o bullying, seguido de força física e peso corporal. Os alvos mais comuns dos agressores foram espaços entre os dentes, dentes ausentes, forma e coloração dos dentes, e incisivos superiores proeminentes.

O bullying é definido como uma forma específica de agressão, com um desequilíbrio de poder, onde um indivíduo mais forte causa sofrimento repetido e intencional a um indivíduo mais fraco. Existem diferentes formas de bullying, que pode ser direto ou indireto. O bullying direto inclui atos de agressão verbal ou física, como xingar ou bater; enquanto o indireto é descrito como exclusão social ou espalhar rumores. Sua prevalência pode variar de 10 a 60% dos adolescentes, atingindo, no mundo, entre 100 e 600 milhões de indivíduos diretamente envolvidos em casos de bullying por ano.

Acredita-se que o bullying não deve ser considerado uma simples disfunção de conduta, e propõe-se que pode ser o resultado de fatores ambientais ou individuais empobrecidos e de um consequente desenvolvimento adaptativo. No entanto, por mais estranho que possa parecer, atualmente é considerado por psicólogos como uma adaptação evolutiva com o propósito de melhorar os recursos somáticos, a seleção de parceiros, a afirmação de dominância e o status social. Isso pode explicar: porque o bullying é encontrado em diferentes culturas e regiões geográficas; porque ele não é limitado à civilização moderna e porque tantos adolescentes estão envolvidos nisso.

Os efeitos em longo prazo do bullying foram muito bem descritos em um recente artigo de revisão que avaliou estudos prospectivos controlados sobre condições de saúde preexistentes, situação familiar e outras formas de exposição à violência. Vítimas que foram acompanhadas da infância até a idade adulta tiveram um maior risco para problemas mentais, ansiedade e depressão, assim como relatos de pior saúde geral, mais dor corporal e recuperação mais lenta de doenças.

Além disso, as vítimas apresentavam nível educacional mais baixo, eram piores em administração financeira e ganhavam menos do que seus pares. Os agressores/vítimas tinham um risco levemente maior para ansiedade, depressão, eventos psicóticos e tentativas de suicídio do que as vítimas. Pouco se conhece em longo prazo sobre os agressores, mas esse grupo parece não ter risco aumentado para doenças mentais ou outros problemas de saúde; porém, são mais propensos a ter menor nível educacional, ficar desempregados e se envolver em crimes.

Em resumo, o bullying é um comportamento bastante frequente entre adolescentes, com efeitos de saúde e mentais, em longo prazo, tanto nas vítimas quanto nos agressores/vítimas; e a má oclusão pode ser um importante alvo para o bullying.

Fonte: Editorial publicado originalmente na DPJO (Dental Press Journal of Orthodontics), escrito pela editora-chefe Flávia Artese, na edição v24n2 do periódico.